Sobre labs e Futuros

 

Por Felipe Fonseca

A ideia de labs autônomos como espaços privilegiados para a experimentação e o desenvolvimento de fronteira entre arte, ciência, educação e sociedade tem encontrado eco em diversas iniciativas no mundo inteiro. Isso se deve à rearticulação desse tipo de experimentação, cada vez mais dinâmica e enredada. Com a maior disponibilidade de infraestrutura, o laboratório passa a ser menos um espaço físico do que uma atitude coletiva: a disposição de exercitar novos modos de relacionar pessoas, informação, sociedade e o planeta. Não é exagero sugerir que o encontro de duas pessoas em um lugar aleatório pode configurar um lab espontâneo.

É difícil traçar uma linha para definir onde e quando o lab começa ou acaba, ainda mais com dispositivos móveis conectados através de redes sem fio. Essa vaporização dos labs, somada à grande diversidade de propostas que têm surgido, traz por vezes a dificuldade em entender sua atuação, metodologias, propósitos e papéis na sociedade. Além da nossa plataforma Rede//Labs [http://redelabs.org] aqui no Brasil, iniciativas têm se dedicado a essa reflexão em outros lugares do mundo. O Sommercamp [www.sommercampworkstation.de] que aconteceu em Berlim reuniu representantes de labs para debaterem por alguns dias questões conceituais e práticas. O Labtolab [http://labtolab.org], de cuja edição em Madri tive a oportunidade de participar [http://desvio.cc/blog/labtolab-dia-dia], promoveu encontros entre alguns labs de mídia europeus (e um monte de convidados especiais da América Latina) em busca de identificar pontos em comum, diferenças fundamentais e possibilidades de composição e intercâmbio. Um dos resultados inesperados do encontro foi o estímulo indireto (quase como contraponto) à criação do LabSurLab [http://labsurlab.org], encontro auto-organizado que teve sua primeira edição em Medelín [http://medellin.labsurlab.org] no ano passado e deve se repetir em Quito [http://quito.labsurlab.org] no próximo junho. O encontro é aberto a quem se interessar, e está sendo planejado e articulado através da rede N-1 [https://n- 1.cc/pg/groups/22816/lsl–lab_sur_lab/]. Nesse meio existe gente interessada em compor redes autônomas de labs. Attila Nemes, do Kitchen Budapest, montou com outras pessoas o MAPPA [http://mappa.fictionlab.hu/] – um site georreferenciado que lista labs de mídia do mundo todo, para “compartilhar conhecimento, auxiliar com colaborações e apoiar uma rede de alcance mundial” [http://fictionlab.hu/?page_id=21]. Alguns brasileiros já estão se cadastrando por lá, e o mapa está tomando corpo. Diversos eventos e festivais tratam de concretizar essa rede, estabelecendo e mantendo os laços entre seus integrantes.

 

 

Já o pessoal dos Baltan Laboratories [http://www.baltanlaboratories.org] de Eindhoven organizou um encontro e uma série de debates sobre Labs, e publicou dois livros importantes: The Future of the Lab [http://www.baltanlaboratories.org/?p=2194] (O Futuro do Lab) e A Blueprint for a Lab of the Future [http://www.baltanlaboratories.org/?p=3517] (Uma Planta para um Lab do Futuro). O Future of the Lab compila parte da documentação do encontro realizado em 2009. Já comentei sobre essa documentação em outro artigo [http://blog.redelabs.org/blog/o-futuro- dos-laboratorios].

O livro tem relatos bastante diversos, ricos porque se referem a diferentes experiências concretas. Já no Blueprint eu encontrei algumas contradições. O livro começa com uma crítica bastante direta às tais indústrias criativas, mas tem uma seção inteira que pode ser lida como portfólio, falando sobre a produção própria dos Baltan Laboratories. Esta seção do livro se enquadra totalmente no modelo que eles mesmos criticam: repete o tempo todo o nome das boutiques criativas que compõem o conselho artístico do lab, tem um relacionamento um tanto subserviente e de pouco questionamento com a megacorporação da cidade (Philips), e suas propostas têm uma forte vertente comercial. O “futuro” que projetam não me empolga nem um pouco, com criações assépticas e por demais abstratas. Senti falta de um monte de questões do mundo real por ali. Não vi nada sobre imigrantes, alienação política da sociedade, lixo, recursos naturais, disputas de vizinhança. A crise financeira só aparece como causa dos cortes orçamentários, mas nada se fala sobre a financeirização da vida ou sobre consumismo. Nessa parte do livro, o software livre aparece quando muito esporadicamente. Por sorte, o restante concentra-se mais nas questões conceituais, metodológicas e contextuais dos labs em si, e aí sim consegui encontrar algumas coisas boas.

Mesmo com a insistência deles em tratar essencialmente do “lab de mídia” – uma construção que já tratamos de criticar por aqui [http://blog.redelabs.org/blog/redelabs-caminhos- brasileiros-para-cultura-digital-experimental] em favor de uma perspectiva mais ampla de laboratórios experimentais [http://blog.redelabs.org/blog/laboratorios-experimentais-interface- rede-rua]. Ao longo da leitura dos dois volumes fiquei pensando – uma vez mais [http://blog.redelabs.org/blog/laboratorios-experimentais-interface-rede-rua] – sobre o papel do lab (da postura de lab) na cidade. Como fazer para relacionar-se com problemas reais? Como ir além de atuar somente em um nicho pequeno e autorreferente – dentro do armário da sociedade, na gaveta da cultura onde fica a caixinha da arte, e lá um envelope da mídia-arte, onde está um papelzinho dobrado que fala sobre cultura livre, participativa, humanista, solidária? Sem falar que esse pequeno bilhete já está totalmente rabiscado com relações de poder, representação e legitimação. Não me interessa esse pedaço de papel. Me interessa sim saber como esses assuntos podem sair da caixinha, da gaveta, do armário e chegar à sociedade como um todo. O meu lab, a minha postura de lab, precisa ser fundamentalmente política e transformadora. Como fazer isso sem espantar as pessoas com interesses mais rasos, mas que ainda assim podem trazer colaborações relevantes?

O espaço ostensivo que o Blueprint reserva à promoção da produção artística de seus integrantes me incomodou um pouco. Me pareceu inadequado, menos “futuro” do que recaída em mecanismos mercadológicos já bem conhecidos. Mas isso deve estar ligado às particularidades e necessidades do espaço da economia em que eles se inserem lá na Holanda, com todas suas regras e enquadramentos. A plataforma Rede//Labs surgiu de um contexto diferente: a reflexão sobre o que parecia emergir como o reconhecimento institucional de uma cultura digital brasileira, e a tentativa de avançar o debate sobre estruturas e modelos para fomentar essa produção cultural. Por aqui muita coisa mudou nesses últimos dois anos, mas ainda quero retomar essa linha de pesquisa de maneira mais estruturada. Como já sugeri diversas vezes, temos a possibilidade de moldar os nossos futuros. Como eles vão ser?

Recortes de leitura

Vou ignorar a mensagem de copyright que consta em ambos os livros (“© BALTAN Laboratories, os autores, 2010. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos, mecânicos, fotocópias, gravação ou de outra forma, sem a prévia autorização por escrito do editor”) e entender o que segue como uso justo. Compartilho abaixo uma seleção de trechos que achei particularmente relevantes, em tradução livre.

O Futuro do Lab

“Parece que o lab de mídia vem tendo um revival auto-reflexivo. ‘Os labs voltaram’, escreveu Juha Huuskonen no blog Pixelache em Março de 2010. Por que agora? E voltaram de onde? Desde a criação do Media Lab do MIT em 1985 e da proliferação de labs e programas de mídia-arte nos anos noventa (Ars Electronica Futurelab, V2_Lab, ZKM, para citar alguns), fica claro que as condições e papéis dos labs de mídia passaram por mudanças significativas. Com a tecnologia mais acessível, a arte tecnológica uma disciplina mais madura, e as condições de interconexão afetando radicalmente a maneira como trabalhamos, estamos em um momento que necessita um questionamento determinado dos papéis, formas e potencial do lab de mídia de hoje. Qual é o futuro do lab?” Angela Plohman, Introdução, p. 9

“Critérios convencionais são insuficientes para determinar se [os laboratórios experimentais] funcionam ou não.

(…) Se os labs de mídia do futuro querem gerar avanços significativos, eles devem assumir riscos extraordinários e ter a disposição de errar na maior parte do tempo.” Edward A. Shanken, A História e o Futuro do Lab, p. 23

“Como Florian Schneider observou, ‘Colaborações são os buracos negros dos regimes do conhecimento. Eles produzem de bom grado inexistência, opulência e comportamento esquisito. E é sua própria vacuidade a sua força… ela não envolve a transmissão de algo desde aqueles que têm para aqueles que não tem, mas pelo contrário põe em funcionamento uma cadeia de acessos imprevistos’. É nestes buracos negros de vácuo que os labs do futuro devem ousadamente mergulhar, deixando o imprevisto emergir em seu nada opulento. Entretanto, em um contexto cultural que é mediado por uma mentalidade objetiva que demanda justificativas em relatórios trimestrais, os labs experimentais devem facilitar a tradução não apenas entre artistas e cientistas como também entre visionários e contadores.” Edward A. Shanken, idem, pp. 29-30

“… o que nos une aqui é a diferença, não necessariamente uma base em comum.” Andreas Broeckmann, O Case da Tesla, p. 43

“O LABtoLAB explora entre-espaços (“in-between spaces”). Ao contrário de oposições claras como amador-profissional, iniciante-especialista, arte-ciência ou sucesso-fracasso, campos de operação como experimentar, improvisar, brincar-jogar (“playing”), colaborar, fuçar (“tinkering”) estão abertos à apropriação para propósitos múltiplos. Essas abordagens se reposicionam constantemente no meio do caminho (“in-between”), servindo como caixas de areia, campos de teste e quadros-negros para o aprimoramento de habilidades e profissões ligadas a mídia. Um lab de mídia pode hospedar essas formas de reposicionamento dinâmico – como incubadoras acessíveis ao pensamento e à experimentação. O lab ou espaço de trabalho posicionado no meio do caminho faz o papel de ponte – um atributo essencial para mediar nossas práticas.”

(…)

“De certa forma, xs participantes do LABtoLAB poderiam ser vistxs como uma ‘comunidade de curiosidade’. Uma comunidade que envolve organizações curiosas em aprender a partir da prática umas das outras. Em muitas instâncias as pessoas ligadas ao LABtoLAB vestem muitos chapéus: professorxs, estudantes, amadorxs DIY, especialistas, artistas, operadorxs culturais, gerentes de projetos, programadorxs educacionais, oficineirxs, pesquisadorxs, educadorxs, cientistas da computação, administradorxs e mediadorxs, e como tais podemos aprender com nossas experiências diversas mas também compartilhadas.

(…)

O lab de mídia como existe hoje é precedido por diversas tipologias de espaços de trabalho e formas de institutos de pesquisa: a oficina de produção, o estúdio de artista e o lab de pesquisa, mas também o museu, o centro comunitário, a biblioteca e a escola. Hoje entendemos labs de mídia como organizações de pesquisa que procuram respostas para as demandas de uma sociedade da informação. Essas “demandas” não são recursos fixos nem são conhecidas e definidas por si mesmas. Elas dependem de contexto. Qual é o objeto de desejo, ou quem está perguntando? Estas questões podem ser consideradas desde perspectivas políticas, sociais, culturais e educacionais.

O surgimento da internet e da cultura digital geraram grandes expectativas por conta da simultânea desvalorização da noção de espaço público. A internet reformou o paradigma de espaço público. Uma grande parte da internet, especificamente tudo que está ligado à cultura livre, tornou-se um lab coletivo onde usuárixs podem se tornar colaboradoxs no processo de produção: a cargo de e preocupadxs com os contextos e ferramentas que usam.

(…)

“Um dos grandes desafios da era da informação é replicar os sistemas abertos da internet, como por exemplo o software livre, no espaço físico, ou seja, nas cidades. Aqui, os labs de mídia podem oferecer um potencial extraordinário como produtores de espaço público para experimentação coletiva, onde xs residentes de uma certa área podem explorar novas formas de organização, podem pensar juntxs sobre seus entornos e obter mais controle sobre os contextos que xs definem como usuárixs.

Em um sentido sociocultural, os labs de mídia oferecem ao público ferramentas para o compartilhamento de conhecimento, a socialização e a experimentação. O lab de mídia não funciona somente como provedor de conteúdo; labs de mídia são plataformas onde pessoas com repertórios diversos se encontram para trocar ideias e experimentarem juntas, desenvolvendo o tempo todo novos modelos para que essa própria troca continue a acontecer. Os labs de mídia aprimoram a ciência cidadã, o conhecimento gerado por comunidades de fazedorxs que não são especialistas reconhecidxs. O lab de mídia oferece um sistema onde especialistas profissionais reconhecidos colaboram com amadorxs, onde iniciantes podem tornar-se colaboradorxs, onde a participação pode ser forte ou fraca.” LABtoLAB, Laboratórios do meio do caminho, pp. 53-55

Pergunta: Entrar na linguagem da inovação é uma armadilha?

– É uma armadilha. Eu gosto de usar o termo arte emergente para descrever pequenos novos organismos que estão se formando e ainda não são conhecidos. Vinte anos atrás, nós nos apropriamos da linguagem da inovação, da indústria e da economia. Nós usamos o termo indústrias criativas para alavancar oportunidades para as artes, mas é uma armadilha porque dessa forma os resultados da arte tornam-se produtos.” Melinda Rackham, Aprendendo com os modelos do passado, p. 61

“‘Somos relevantes?

Ainda não. Em um encontro hipotético com as pessoas mais proeminentes para nosso bem-estar, nós não estaremos à mesa. Não porque a arte em si seja subestimada em relação ao avanço humano, mas porque como pesquisadorxs, mesmo tão inter/entre/transdisciplinares quanto possamos pensar que somos, operamos em uma bolha transparente, com um ocasional buraco microscópico.

Somos atualmente irrelevantes. Legais, interessantes, inovadorxs – com certeza. Mas irrelevantes.

Apesar da crença popular, não estamos atuando como agentes de mudança. No grande esquema das coisas, somos quase insignificantes mesmo dentro de nossas respectivas culturas ou campos, sejam as assim chamadas novas mídias, a arte, a tecnologia ou o design. Nós não ‘descobrimos’, nós não ‘revolucionamos’, mesmo grande parte de nossas ‘explorações’ são repetitivas. No ponto atual somos efêmerxs, e precisamos pensar, nos organizar e agir de maneira diferente para nos tornarmos realmente significativxs.” Eyal Fried, ‘Pesquisa emDesign’ nos faz legais; ‘Design como pesquisa’ nos fará Relevantes, p. 97

“O lab estabeleceu-se originalmente como provedor de infraestrutura para seu time e para um novo tipo de nômade artístico: nômades que se mudavam como artistas em residência de um oásis de infraestrutura para o próximo, em busca de novas oportunidades para implementar seu trabalho. Hoje, entretanto, a mídia-arte, o design de mídia, a criação de novas tecnologias de mídia – resumindo, a produção de mídia – acontece cada vez mais longe desses oásis, não porque o lab não é mais um lugar atrativo, mas porque o espaço entre os oásis agora também está sendo pavimentado com uma infraestrutura apropriada. Conexões de banda larga com o consequente poder computacional de múltiplos computadores de grande porte, bem como as instalações para o processamento de mídia e acesso remoto ilimitado para especialistas de labs através de ferramentas de comunicação elaboradas – finalmente, são todxs propriedade comum. “Horst Hörtner, O Futuro do Lab, p. 108

“Se o lab quiser continuar mantendo sua indiscutível importância na sociedade, ele precisa se abrir. Isso é necessário por um lado para facilitar futuras formas artísticas, para continuar a olhar adiante, para reconhecer o discurso público e levar em frente a tarefa de mediação. Por outro lado, essa abertura evita o risco de acumular poeira. Tendo em vista os avanços tecnológicos vindouros, é de alta importância lidar com eles de maneira lúdica e reflexiva – um dos domínios do lab – e disponibilizar essas áreas futuras para tantos experimentos quanto for possível. É necessário acesso para desenvolver habilidades.” Horst Hörtner, O Futuro do Lab, p. 110

Uma planta para um Lab do Futuro

“Apesar da diversidade de laboratórios que trabalham com mídia, sociedade e tecnologia, é tentador imaginar um tipo universal de lab. Isso não somente é impossível, como também é importante notar que arte e cultura podem não necessariamente ser o foco de um lab de mídia universal. Labs artísticos na área da cultura precisam reconhecer isso, e precisam ser cuidadosos para não se referir seletivamente a um histórico amplo com uma agenda específica em mente. O MIT Media Lab, por exemplo, não é uma referência apropriada para a prática da mídia-arte, porque ele não tem um histórico cultural específico. Similarmente, um centro de arte com instalações para produção de mídia não constitui automaticamente um lab de pesquisa.

Sem entrar nos aspectos políticos do apoio do Estado à cultura, o impacto esmagador dos recentes cortes nas organizações de mídia-arte enfatiza a vulnerabilidade destas. Além disso, as atividades desenvolvidas em labs também poderiam ser vistas como tendo sido aceitas pela sociedade em geral de tal maneira que elas não são mais consideradas excepcionais.” Akau Tanaka, Situando-se na Sociedade: Plantas e Estratégias para Labs de Mídia p. 16

“… a natureza de instrumentalização das indústrias criativas pode de fato ser incompatível com o processo artístico. Enquanto isso, abrir a criatividade para além do domínio do artista e fazer um modelo mais democrático da prática criativa guarda um potencial enorme para benefícios sociais e é consistente com o foco comunitário de labs de mídia comunitários.” Akau Tanaka, Situando-se na Sociedade: Plantas e Estratégias para Labs de Mídia p. 19

Ties van der Werff: Quão relevante é o compartilhamento da pesquisa artística para um lab de mídia como o Baltan?

Lucas van der Velden: Uma quantidade enorme de conhecimento é desenvolvida em pequenos labs e por artistas em suas casas, e uma tremenda quantidade não é documentada nem divulgada. Se alguém investe uma grande quantidade de tempo em descobrir a melhor solução para um certo problema, seria fantástico se você pudesse compartilhar esse conhecimento facilmente. Você vê desenvolvimentos assim acontecendo em universidades, mas não tanto entre artistas. O que nos move no Baltan não é tanto o compartilhamento dos produtos em si, a disponibilização de aplicações para todo mundo, mas abrir realmente a pesquisa que as pessoas estão fazendo.” Entrevista com Lucas van der Velden, p. 30

“-> Em termos de espaço – o Baltan decidiu durante a fase piloto que por razões práticas o espaço deveria ser flexível e grande o suficiente para permitir o teste de protótipos e para acomodar obras espaçosas. Era um espaço sem equipamentos nem técnicos. Um espaço como este somente se torna um lab de verdade através da pesquisa que é conduzida dentro dele, fazendo uso dos equipamentos próprios dos artistas, como laptops, monitores e cabos. (…) (O espaço) é uma interface de conhecimento, porque é um lugar onde artistas, pesquisadores, técnicos e o público podem encontrar uns aos outros. Faz-se uso intenso de todas as possibilidades oferecidas pelas modernas tecnologias de comunicação para compartilhar conhecimento, mas o local em si continua sendo o coração das atividades. A existência de um espaço físico – um lab onde o conhecimento está presente e onde existe a possibilidade de trocar conhecimento, testar o próprio conhecimento e adquirir conhecimento – ainda é uma maneira efetiva de fazer as pessoas trabalharem juntas.” Arie Altena, p. 103

“Hoje em dia a maior parte da tecnologia de que artistas necessitam está a seu alcance. Um compositor eletrônico não precisa mais agendar uma sessão em um estúdio eletrônico para realizar suas composições, e artistas computacionais não precisam mais recorrer ao uso de um computador em um escritório meteorológico por algumas horas a cada noite, como fez Manfred Mohr nos anos 1960. Agora os laptops são em geral poderosos o suficiente.” Arie Altena, p. 119

Angela Plohman: Como vocês gostariam que o lab funcionasse para vocês como artistas?

Wendy Ann Mansilla: Nós vemos o lab como um lugar que nos permite libertar-nos de nossas vidas cotidianas. O lab pode envolver artistas em uma configuração particualr e permitir que a criatividade corra solta. Seja uma prática ou exploração em arte e ciência ou em outras disciplinas, um lab deve inspirar, levar os residentes a pensar não somente em arte, mas arte, ciência e a natureza ou o espaço público, todos funcionando em unidade – um lugar para experimentar, para ter bloqueios e descobrir outras direções. Um lab é um playground que move artistas a tentar novas coisas, explorar e socializar com outrxs. Na verdade, eu ficaria curiosa para ver um lab que funcionasse como uma biblioteca pública, que fosse aberto para todxs xs artistas que precisam de um espaço para experimentar ou contemplar.

Jord Puig: Eu gostaria de enfatizar a ideia de processo. Eu espero que um lab seja flexível a mudanças durante o processo de trabalho. Essa é a característica mais importante que diferencia um lab de outros ambientes. Eu também esperaria que um lab fosse transparente e acessível para acelerar a tomada de decisões durante a produção. E todo dia eu percebo mais e mais a relevância do programa que um lab enquanto instituição cultural oferece em conexão com um período de residência. Por exemplo, organizar uma oficina e uma exposição em conjunção com uma residência oferece um resultado muito mais progundao do que o modelo ‘trabalhe por um tempo e vá para casa’.” Entrevista com Wendy Ann Mansilla e Jordi Puig, p. 228

Angela Plohman: E uma última pergunta que é menos específica: como vocês definiriam um lab?

Wendy Ann Mansilla: Um lab é mais um espaço de brincadeira (“play”) do que um espaço de trabalho, porque ele reconhece aqueles períodos de inatividade ou descanso como parte do processo criativo. Quem sabe quando as boas ideias acontecem? Pode ser em qualquer lugar: quando estamos tirando uma soneca, conversando, caminhando, ou bebendo uma xícara de café ou chá com outros residentes de um lab.

O trabalho de 1 artista não acontece dentro de um espaço fechado, mas dentro de um campo aberto de possibilidades; dentro de um lab que valoriza os resultados livres do descanso, trabalho e brincadeira (“play”).

Jordi Puig: Eu gostaria de acrescentar que os labs mudaram muito ao longo dos anos recentes por conta de desenvolvimentos em tecnologias de informação e comunicação. Agora os labs devem desenvolver uma experiência de vida real e um rastro eletrônico global. Eu diria que por causa dessas tecnologias os labs se tornaram muito mais poderosos – capazes de ativar indivíduos e sociedade. De fato, isso não deveria acontecer somente de forma eletrônica mas também em um espaço compartilhado, como a Wendy mencionou. Mas uma boa rede eletrônica deve ser criada para alcançar comunidades em uma grande área geográfica.

Um lab é um conjunto de recursos: um recurso público, equipamentos, fornecedores, contatos, visitantes e colaboradores, etc. É um ecossistema que deveria ser facilmente acessível em algum ponto do tempo e espaço. Estes recursos não são fáceis de criar mas são extremamente valiosos.” Entrevista com Wendy Ann Mansilla e Jordi Puig, p. 228

Angela Plohman: Como vocês definiriam um lab e suas funções?

Aymeric Mansoux: Para mim, idealmente um lab deveria ser uma plataforma facilitadora, uma plataforma muito flexível que muda de forma dependendo do contexto que você precisa, um lugar que pode ser habitado por pessoas para desenvolver um projeto. Esse seria o lab ideal.

Marloes de Valk: Um lab é um espaço no qual experimentar, para desenvolver novas coisas e testá-las antes de lançá-las ao mundo. Isso significa que um lab é mais do que somente um lugar, ou uma coleção de equipamentos. Tambem se trata de criar o tempo necessário para a experimentação e a pesquisa, e estruturá-lo com conhecimento e infraestrutura para apoiar e disseminar o trabalho.”

(…)

Angela Plohman: No começo do seu projeto vocês propuseram trabalhar em um formato de “mutirões” (“sprints”) ao longo de um período de seis meses, o que significava estar fisicamente juntos por uma semana em cada um dos labs. Por que vocês escolheram trabalhar dessa forma? Quais foram os benefícios?

(…)

Aymeric Mansoux: Para responder em mais detalhe, eu gostaria de me referir rapidamente à ideia do lab de mídia-arte dos anos 1990. Para ser honesto, eu não sou muito afeito a esse tipo particular de lab de mídia. É uma das razões pelas quais nós começamos o coletivo GOTO10 há alguns anos. Aquele ‘anti-lab’ era muito focado em uma abordagem faça-você-mesmx: nós ensinávamos 1 a outrxs e organizávamos coisas juntxs. Nós queríamos evitar ter um lugar físico e estávamos mais interessados em colaborar com entidades especializadas que eram boas em alguma coisa. Nós não queríamos ter o tipo de espectro amplo de diferentes atividades e habilidades que a maioria dos labs e organizações de mídia-arte parecem oferecer. O risco desses ‘conglomerados’ é que você perde a flexibilidade exigida para o processo criativo, enquanto dentro de uma ‘ecologia’ – uma rede de organizações especializadas com pequenos grupos de trabalho – é mais fácil desmembrar o fluxo de trabalho e ser criativo com a colaboração. É isso que esperávamos dos mutirões (“sprints”). Nós poderíamos realmente combinar e explorar diferentes maneiras de trabalhar remotamente, e ficar mais focados na época das arrancadas. Eu realmente não acho que isso teria sido possível no contexto mais clássico e tradicional de um lab de mídia.

Annet Dekker: Como vocês definem o lab de mídia tradicional?

Aymeric Mansoux: Para mim o estereótipo de lab de mídia é um espaço onde artistas que nem sempre têm certeza do que podem fazer com tecnologias de mídia, por falta de conhecimento técnico, vão para pesquisar e desenvolver um projeto. Algumas vezes existe um processo de iteração bastante desajeitado entre o artista e os técnicos da equipe até o ponto em que encontram um ‘produto’. Para enfatizar o aspecto multidisciplinar da criação final, esse ‘produto’ é frequentemente roitulado como um objeto que nem os artistas nem os técnicos poderiam ter bolado sozinhos. Infelizmente isso raramente vai além de afirmar o óbvio, porque o aspecto multidisciplinar é prejudicado pelo esforço do artista em comunicar sua ideia e pelo esforço do técnico em implementá-la, já que eles não estão falando a mesma linguagem. Então no fim das contas, apesar de tais labs de mídia terem por objetivo encorajar práticas multidisciplinares, eles deixam de oferecer uma estrutura adequada, por conta do ambiente rígido e controlado que os transforma em pequenas fábricas de mídia-arte.

Angela Plohman: Alguns labs ainda trabalham dessa forma.

Aymeric Mansoux: Bem, sim, eu acho que essa versão clichê do lab de mídia ainda é bastante prevalente. Mas é importante mencionar que apesar do que estou descrevendo ser quase sempre o processo padrão, também é responsabilidade dx artista desafiar tais instituições e integrar propriamente aprendizado, pesquisa e colaboração em sua proposta para que se vá além do estereótipo. Na minha experiência, esse tipo de abordagem inusual é geralmente bem-vinda.

Angela Plohman: Qual é então a função do lab de mídia para vocês nesse caso? Por exemplo, qual é a diferença entre trabalhar no Baltan ou NIMk, e simplesmente se encontrar em algum espaço aleatório por uma semana?

Marloes de Valk: Para mim a vantagem de trabalhar no Baltan e NIMk foi que os espaços em que estávamos não eram apenas espaços aleatórios. Esses espaços são dedicados ao tipo de trabalho que estamos fazendo. E eles não eram somente espaços vazios: eles vieram com uma equipe de pessoas que ajudou o projeto enormemente. Nós tínhamos encontros a cada duas semanas durante o projeto, nas quais éramos aconselhadxs sobre documentação, captação de recursos, experts a contactar, divulgação e muito, muito mais. Isso provou não ter preço e realmente beneficiou o projeto. O lab de mídia funciona como centro de competência e como ponto de conexão (“hub”) a uma rede local. O Baltan, por exemplo, organizou uma sessão de testes com estudantes de design de games da Universidade Fontys de Ciências Aplicadas e com a Universidade de Tecnologia de Eindhoven. Isso nos forneceu um monte de feedback útil que nós pudemos integrar ao projeto em seguida.

Dave Griffiths: Eu nunca tive a experiência de trabalhar com aquele tipo clássico de lab de mídia; para mim eles sempre pareceram mais tradicionais ou acadêmicos. O importante para mim nessas residências é que elas nos deram mais foco. A presença de um lugar físico e a oportunidade de encontrar diferentes pessoas que estavam fazendo outras coisas, para encontrar, conversar, discutir e possivelmente trocar é muito importante. Por exemplo, precisar fazer apresentações durante a residência, que a princípio pode parecer incômodo, é na verdade muito benéfico. Te força a explicar o que você está fazendo, refletir sobre as coisas que passaram pela sua cabeça ou que apareceram entre nós três, e encontrar novamente o sentido delas. Depois de trabalhar em alguma coisa o dia inteiro, finalmente você percebe que reorganizando as palavras, o que você acabou de fazer está se cristalizando totalmente na sua cabeça. Questões como: por que você está fazendo alguma coisa, para quê, são coisas importantes que você esquece quando está desenvolvendo. Ao mesmo tempo, esse processo de compartilhar suas ideias influencia o que você está fazendo. Por exemplo, quando você é forçadx a explicar seu projeto, coisas que pareciam incrivelmente importantes quando você as estava fazendo, por exemplo solucionando algum erro (“bug”), tornam-se bem menos importantes, porque desde uma perspectiva mais ampla elas importam menos.

Esses momentos de apresentação nunca acontecem quando você está trabalhando em uma configuração ‘normal’, em casa ou nessas situações de estúdio. Apesar de as pessoas passarem por lá, é difícil discutir seu trabalho; algumas vezes essas circunstâncas me isolam bastante. Mas em situações como no Baltan e NIMk você apresenta seu trabalho dentro de um contexto e então as pessoas imediatamente entendem o que você está fazendo.” Entrevista com Dave Griffiths, Aymeric Mansoux e Marloes de Valk, p. 252-254

Arie Altena: O que um lab deve ter? Eu posso imagiunar que outras pessoas que trabalham no mesmo território artístico que vocês chegaria à conclusão de que você precisa de um lugar com um desenvolvedor de software, alguém familiarizado com, por exemplo, C++, MAx/MSP ou Python. Mas vocês não chegaram a essa conclusão; aconteceu naturalmente porque vocês já organizaram esse domínio tecnológico muito bem vocês mesmos.

Gideon Kiers: Eu acho que a maior parte dos artistas cuidam desse tipo de coisa eles mesmos. Não faz sentido pensar em um lab como um lugar de tecnologia. Investir em hardware não faz sentido: muito dinheiro é gasto em tecnologia que, apenas alguns anos depois, pode ser jogado no lixo.

Lucas van der Velden: Se você me perguntar o que eu acho que um lab deve incluir, então ele cobre um espectro amplo, de ideias a uma plataforma. Trata-se de oferecer espaço para arte nova, um lugar onde a arte pode ser visulumbrada, feita e exposta, onde você possa fazer construções esquisitas e maravilhosas que não recebem muito apoio em outros lugares.” Entrevista com Geert Mul, Marc Maurer, Gideon Kiers e Lucas van der Velden, p. 312

“Caitlin Jones (diretora do Western Front em Vancouver) percebeu uma mudança do estúdio de artista para espaços de trabalho colaborativos, para um estúdio de laptop e um estúdio em rede – os dois últimos talvez assinalando o fim do programa de residência artística como o conhecemos. O estúdio de laptop, como Jones explica, reflete as mudanças na produção cultural, onde o laptop se torna o principal espaço de produção, processo, apresentação e distribuição. Além disso, Jones explica, o estúdio de laptop existe em uma rede de outros estúdios de laptop, mudando a experiência de estúdio de um lugar fixo para um mais dinâmico:

‘O legado da arte ‘pós estúdio’ é amplificado por artistas trabalhando com formas digitais e ambientes online. Geralmente esses tipos de práticas são menos uma negação aberta do elemento ‘ossificante’ do estúdio e mais um reflexo de como o digital mudou a produção cultural em geral. O que acontece quando o estúdio em questão é simplesmente um laptop na cozinha do artista ou na cafeteria local? Quando o estúdio existe em um espaço em rede e está ligado a incontáveis outros estúdios, mudando a experiência do estúdio de ossificanda para dinâmica? Ou quando o lugar do estúdio é o mesmo da exibição e distribuição?’ – Caitlin Jones, A função do Estúdio (quando o estúdio é um laptop), em Art Lies. A Contemporary Art Journal, edição 67, 2010. Fonte online, disponível em www.artlies.org/article.php? id=1996&issue=67&s=0 Annet Dekker, O fim do lab de mídia como o conhecemos, p. 317

“O espaço físico do lab ainda é importante, apesar do laptop ser frequentemente a ferramenta principal e apesar do fato de que o acesso à tecnologia tornou-se menos importante. É um lugar onde o compartilhamento e a troca de ideias acontecem diretamente, junto a possibilidades de experimentação e apresentações.” Annet Dekker, O fim do lab de mídia como o conhecemos, p. 320

“Aquelxs envolvidos em manter labs de mídia acreditam ser importante documentar o processo e os resultados da residência, de modo que o conhecimento adquirido seja compartilhado. Apesar de todos serem unânimes nesse ponto, labs de mídia frequentemente não têm os meios, o tempo ou o conhecimento para documentar o trabalho da melhor maneira. Já que não existe padrão pré-estabelecido – ou mesmo um conjunto de mehores práticas ou recomendações – a documentação é muitas vezes insuficiente ou mesmo ausente. Cada vez mais, pede-se axs artistas que mantenham registros de seus próprios processos como meio de garantir que a documentação de processo aconteça. Isso pode até ser incluído em um contrato com xs artistas. (…) Para encorajar a criação de documentação, os labs às vezes fazem pequenas publicações, blogs ou vídeos documentais. Isso por sua vez beneficia os artistas, bem como a organização, em termos de publicidade, visibilidade e talvez até sustentabilidade, especialmente ao lidar com trabalhos que dependem de hardware e software que vai se tornar obsoleto no futuro próximo – essa forma de documentação é frequentemente o unico registro sobrevivente de um trabalho.” Annet Dekker, O fim do lab de mídia como o conhecemos, p. 322

 

i Na página 149, Arie Altena diz “Como experiência integrada de imagem e som, o programa Poème Numérique do Baltan pode ser visto como uma atualização digital das ideias por trás da Poème Electronique do Pavilhão Philips de 1958″. Os caras só querem atualizar as mesmas ideias, cinquenta anos depois? Foram anos de contracultura, guerra fria, colapso soviético, neoliberalismo, consumismo, guerras do petróleo, mudança climática, internet, globalização financeira, emergência do precariado digital, desaparecimento do espaço público, hiperinformação, sedentarismo, redes sociais online. O mundo mudou radicalmente, e eles acham que as ideias por trás devem ser as mesmas?

 

Publicado en http://arquivovivo.org.br

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